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Fontes Históricas: Fontes biográficas - Vavy Pacheco Borges





Com essa postagem seguimos a série de resenhas do livro Fontes Históricas, organizado por Carla B. Pinsky. Aqui o assunto são as biografias e sua inserção no cenário historiográfico. Mais uma vez uso algumas experiências de pesquisa para ilustrar algumas informações do texto.

Neste texto, cujo subtítulo é "Grandezas e misérias da biografia", Vavy Pacheco Borges procura mostrar como os historiadores vem lidando com o uso das biografias em suas considerações sobre a História e sua escrita. Renegada até tempos atrás, nas últimas décadas vem ganhando espaço, chegando mesmo a ser cogitado um certo "retorno", do tipo que vemos com outras formas de fazer História, como o retorno ao político, que alguns logo vêem uma ligação. 

Existe ainda uma ligação entre essa atenção recente dada às biografias e questões de identidade e representação. Em um momento de incertezas, onde a História para alguns vem beirando a falésia (para usarmos um título de Chartier), atentar para biografias parece um caminho relativamente "natural". Vavy Pacheco nos cita ainda, neste contexto de crises de paradigmas, um favorecimento da experiência, surgindo interesses pelos "excluídos" e/ou "vencidos" da História, como as minorias sociológicas (negros, mulheres, homossexuais). Há também uma preocupação com a fragmentação do ser, com a multiplicidade inerente a ele, com suas múltiplas experiências (p. 210).

Para uma visão didática das biografias, ela divida-a em tipos principais, que vão "desde um rápido (ou não) percurso da vida do biografado (...) até o tipo mais ambicioso, como 'um mergulho na alma' do biografado". Assim, ela esquematiza em três tipos, segundo sua finalidade e elaboração.


  • O artigo de dicionário biográfico: um breve resumo da vida de uma pessoa pública, por vezes famosa;
  • a monografia de circunstância: elogios fúnebres ou ligados a uma circunstância particular; ou
  • a biografia dita "científica" ou dita "literária": obras mais importantes, com preferência narrativa e finalidade histórica, que trabalham com documentação numerosa e variada.

A preferência da autora e podemos dizer dos historiadores de maneira geral recai sobre o último tipo citado, especialmente quando este se caracteriza como um "mergulho na alma", por sua maior completude, conseguindo penetrar no que veríamos como intimidade da pessoa já desaparecida. 

Para fazer o mergulho, ela cita alguns meios, sobretudo os documentos da "escrita de si" e de "produção de si":


  • memória ou tradição oral familiar;
  • memórias, autobiografias, ego-história, correspondência (ativa e passiva), diários;
  • entrevistas de mídia (orais, escritas ou em filmes, vídeos);
  • os chamados objetos da cultura material: fotos, objetos pessoais, bibliotecas particulares, etc.



A micro história é um desses métodos que usam e podem ser usados por biógrafos, embora não possa ser reduzida à "biografia" em si. Temos aí, entre outros, o exemplo de Menochio, no texto fundador O queijo e os vermes de Carlo Ginzburg, ou a análise de Rabelais feita por Lucien Febvre. Neste caso há uma necessidade de variadas fontes ou séries relativamente completas para que se tenha uma "reconstrução" satisfatória da trajetória do indivíduo.

Vemos ainda um cotejo com a História Oral, que toma as em suas trajetórias de vida as particularidades, enfim, as identidades, que por vezes são inseridas em contextos mais amplos (ou não). Claro que, ao meu ver, quando tomamos os depoimentos orais não damos conta da amplitude necessária para construir uma biografia - se bem que de forma alguma poderíamos, como pretendem alguns, escrever biografias definitivas. Para isso precisamos ainda de mais informações, que são fornecidas por outras fontes e métodos, como os já mostrados antes.

Em minha pesquisa de Mestrado me deparei com alguns personagens, dentre as quais já fiz algumas postagens aqui no blog (Joaquina Dionísio, Moacir Fagundes e Urbano Braulino). Todas elas foram conhecidas por meio de entrevistas de História Oral, sendo que em alguns casos outras fontes me expandiram o entendimento e me possibilitaram pensar um pouco a trajetória de algumas dessas pessoas. É o caso do senhor Ramão Dauzacker, ervateiro e antigo funcionário da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), que tive conhecimento à princípio através de entrevistas com seu sobrinho Astúrio, depois com seu filho Ricardo. Lendo as fontes da minha pesquisa e falando com outros entrevistados, pude encontrar novas pistas sobre esse sujeito. Claro que seria necessário um trabalho muito mais acurado para que fizesse uma biografia considerada de "bom" nível, mas isso à época fugiria aos objetivos da minha pesquisa.

Mas voltemos à Vavy Pacheco. Ela ainda mostra algumas relações da biografia com outras áreas do conhecimento, como a Literatura, a Psicanálise, a Sociologia e a Antropologia. Todas elas fazem leituras dos indivíduos e por vezes fornecem ferramentas úteis aos biógrafos.

Podemos ainda dizer que o texto em questão segue o princípio de mostrar como as biografias vem sendo valorizadas; como historiadores vem reconhecendo nela uma utilidade que antes não viam, por buscarem até décadas atrás, de forma limitadora segunda a autora, uma visão do "global", das "estruturas", das "classes", enfim, não atentando para o individuo, para as multiplicidades do ser. Uma utilidade seja como fonte para a História, ou mesmo como caminho de debate no sentido de escrever a História nos termos de micro espaços e micro visões, com suas verdades, relações sujeito/historiador/objeto, relações indivíduo/contexto e por fim conseguir ver algum sentido ou não nessas biografias.

Por fim, o debate segue ainda em direção a se pensar questões como privacidade e direito de sigilo, especialmente quando se fala nas biografias não autorizadas, fato agravado quando os biografados ainda são vivos.


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SUMÁRIO DE RESENHAS

Carlos Bacellar - Uso e mal uso dos arquivos
 Vavy P. Borges - Fontes biográficas

* Imagem do topo retirada do site da UPF

** Originalmente postado em 27/set/2014.

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